“Do que falamos quando falamos de arquitetura cubana contemporânea” é o título do último artigo escrito por Fernando Martirena para a Revista Rialta, no qual o autor expõe a realidade sobre a disciplina da arquitetura em seu país: quase não se fala disso. Em resposta, ele e seus colegas decidiram fundar o Grupo de Estudos Cubanos em Arquitetura, uma iniciativa que busca proporcionar uma maior visibilidade à arquitetura cubana contemporânea.
Recentemente, o ArchDaily entrevistou Martirena para saber mais sobre as suas aspirações, motivos e reflexões sobre a atuação profissional em Cuba nos dias de hoje.
Fabian Dejtiar (FD): Você poderia nos contar como surgiu a ideia para o Grupo de Estudos Cubanos em Arquitetura? De onde veio a inspiração para isso?
Fernando Martirena (FM): A nossa geração de arquitetos, assim como a anterior à nossa, teve a sorte de presenciar o renascimento da arquitetura devido à um breve período de crescimento econômico do país. Talvez, a arquitetura seja a disciplina que mais se beneficiou desta mudança de direção na economia da Ilha de Cuba ao longo das últimas décadas. Levamos cerca de dez anos para entender o processo e enfim aceitar as nossas diferenças, como se estivéssemos vivendo em uma espécie de casamento arranjando com alguém que você não ama. Nosso principal objetivo, ao longo destes anos todos, foi reestabelecer e regularizar a nossa profissão, aumentando a visibilidade daquilo que hoje podemos chamar de arquitetura cubana contemporânea.
Os principais fundamentos do GECA meio que surgiram em um dos nossos muitos debates onde todos tentávamos opinar sobre os possíveis caminhos para o futuro da arquitetura no país. Encontramos alguns pontos em comum e então, à quase dois anos decidimos colocar o projeto em marcha. Desde a fundação do grupo, realizamos uma série de exposições, debates, publicações, conferências, festas, visitas à escritórios de arquitetura; já se fala do GECA como um grupo estabelecido. Entretanto, a arquitetura cubana não está passando por um bom momento.
FD: Em um texto você chama a atenção para o fato de que “ninguém fala de arquitetura cubana contemporânea”. Poderias nos dizer exatamente por quê?
FM: Nos anos 1960, logo após a Revolução Cubana, a arquitetura foi a principal solução encontrada para problema de escassez de moradia no país, mas logo as coisas param por ai. Já nos anos 1970, a situação política do país e a incorporação de sistemas pré-fabricados de construção de certa forma acabaram por restringir primeiramente os investimentos privados na indústria e posteriormente, o papel dos arquitetos na construção de uma identidade arquitetônica reconhecível. De 1971 a 2011 passamos por uma espécie de vazio, um buraco negro na história da arquitetura cubana, algo que relegou a figura do arquiteto à um papel secundário em nossa sociedade. Neste momento, ninguém precisava de arquitetos. A arquitetura de autor era considerada um resquício do mal gosto burguês. Como resultado disso, a arquitetura contemporânea cubana é praticamente inexistente e alegal. A maioria dos cubanos sequer sabe que em nosso país há uma centena de bons arquitetos trabalhando em projetos que, pessoalmente, considero muito relevantes. A condição legal de muitos de nossos colegas assim como o desinteresse da mídia especializada fazem com que a arquitetura contemporânea cubana pareça invisível, inexistente. E é impossível falar de algo que nem sabemos que existe.
FD: No dia-a-dia de seu escritório de arquitetura, o Infraestudio, como vocês estão lindando com o mercado da industria da construção em Cuba hoje?
FM: Nosso escritório, ou estúdio, trabalha desde um contexto que procura burlar este dualismo entre a ambição da iniciativa privada e as condições limitantes do poder público em nosso país. A informalidade da prática privada e a escassez de recursos públicos não mais resulta que em um enorme vazio. Um país deserto e desprovido de arquitetura. Por outro lado, isso significa que tudo ainda está para ser feito, e essa ausência de qualquer referência permite liberar-nos de toda e qualquer norma. Infelizmente, o arquiteto cubano ainda é esta figura que sonha em desenvolver projetos e conceitos que possam transformar os espaços de nossas cidades, mas que no entanto, segue sendo reconhecido como apenas um decorador ou construtor de cenários baratos. Neste contexto, fica claro porque muitos de nossos colegas têm se ocupado em expandir os limites da disciplina em direção à literatura e as artes visuais em geral.
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Albor Arquitectos
FD: Desde o âmbito educativo em Cuba. Você considera que existe uma brecha entre a academia e a prática profissional? Que conselho você daria aos estudantes de arquitetura?
FM: Depois de muito tentar uma aproximação com as Escolas de Arquitetura do país através do GECA, percebemos que a academia ainda se recusa a dialogar com qualquer tipo de iniciativa privada. Nos corredores e salas de aula da Faculdade de Havana este ainda é um tema tabu em relação ao qual alunos e professores adotam uma postura evasiva—excluindo qualquer possibilidade de diálogo. Obviamente existem excessões, mas apenas um pequeno número de alunos se interessa por aquilo que está sendo feito fora dos limites da universidade.
Aos nossos futuros arquitetos eu os aconselharia, por um lado que se interessem e tentem descobrir o conteúdo oculto nas entrelinhas de tudo aquilo que eles observam em seus contextos específicos, e por outro, que sejam capazes de projetar-se para além de sua realidade imediata e do tempo em que vivem. Isso significa que, jovens arquitetos devem ser capazes de decidir por si mesmos onde está o seu limite e não apenas lidar com as limitações que nos são impostas por terceiros. Que se esforcem para fazer o impossível dentro do possível, para então, fazer possível o impossível.
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Ad Urbis Arquitectos
FD: O que você imagina para o futuro da arquitetura em Cuba?
FM: Sendo otimista, eu imaginaria um futuro onde a prática profissional esteja finalmente regulamentada e onde a arquitetura finalmente volte a ser algo importante para a nossa sociedade. Um país com incentivos e concursos públicos, um aumento considerável na quantidade e na escala dos projetos de infraestrutura pública, e um sistema de editoriais e eventos públicos que possam criar enfim um espaço para o diálogo e o debate sobre a própria situação da arquitetura cubana hoje. No caso de que tudo isso seja um sonho, pelo menos eu espero que consigamos unir toda a nossa classe de profissionais, que tenhamos ainda mais vontade de trabalhar e estabelecer uma prática independente, que através de trabalhos em pequena escala, sejamos capazes de nos fazer ouvir para além das fronteiras de nosso próprio país.